19 junho 2014

Cinco Minutos - Romantismo de Início


       O livro “Cinco Minutos”, de 1856, marca a iniciação de José de Alencar na literatura brasileira e traz consigo a doçura e a leveza dos primeiros romances. Inserido no contexto de ápice do Romantismo brasileiro, Alencar é renomadíssimo em razão de obras como “Senhora”, 1875, “A Viuvinha”, 1857 e “O Guarani”, 1857, que exprimem as características da escola literária da época.
      A obra atinge o leitor às “rajadas”: rajadas do mistério, do inverossímil, da subjetividade. O romance das personagens de “Cinco Minutos” é exagerado, cheio de máximas e hedonista, marcado pela necessidade de satisfação imediata.
         Por cinco minutos de atraso, o protagonista é forçado a esperar a próxima condução para o seu destino. Quando entra no veículo, entre os assentos vazios, elege um que tem como vizinha uma incógnita envolvida em sedas: uma moça discreta, de vestido longo e véu que cobria o rosto.
        O curto momento da viagem rendera um capítulo acerca do puro fascínio que a moça exercia sobre o sujeito ao seu lado. Sem condições de conhecer sua feição, o homem passa a especular sobre a aparência de sua vizinha. Enquanto oscilava entre a idéia da possível beleza ou fealdade da dama, eis que, ao passo que ela se movimenta, é exalado um perfume pelo qual o rapaz se apaixona de imediato. Em passagens como essa que o caráter fantasioso da obra se faz presente:
         “Nisto ela fez um movimento, entreabrindo o seu mantelete, e um bafejo suave de aroma de sândalo exalou-se. Aspirei voluptuosamente essa onda de perfume, que se infiltrou em minha alma como um eflúvio celeste.
            “(...) tenho uma teoria a respeito dos perfumes. A mulher é uma ílor¹ que se estuda, como a flor do campo, pelas suas cores, pelas suas folhas e, sobretudo, pelo seu perfume. Dada a cor predileta de uma mulher desconhecida, o seu modo de trajar e o seu perfume favorito, vou descobrir com a mesma exatidão de um problema algébrico se ela é bonita ou feia. De todos estes indícios, porém, o mais seguro é o perfume; (...) Deus só dá à mulher linda esse tato delicado e sutil, esse gosto apurado, que sabe distinguir o aroma mais perfeito... (...)
          “Tudo isto me passou pelo pensamento como um sonho, enquanto eu aspirava ardentemente essa exalação fascinadora, que foi a pouco e pouco desvanecendo-se. Era bela! Tinha toda a certeza; desta vez era uma convicção profunda e inabalável.”
          O amor do rapaz se torna em uma busca pelo seu mistério de sedas. Como um fantasma, a moça aparece-lhe eventualmente falando “em voz de vestígio”: “Non ti scordar di me!”². Descobre o depois o protagonista que o mistério que a rodeia surge de uma doença fatídica que condenaria o amor dos dois. A moça, de sentimento inigualavelmente nobre, prefere se manter à distância a condenar seu amado à desgraça da viuvez. Contudo, já se fazia real: ali havia o amor urgente que crescia vertiginosamente em ambos diante da iminência da morte.
          Nós, leitores pós-revolução-tecno-científica-informacional, com certeza vemos a trama com o ceticismo de quem não acredita em amores por acaso. A praticidade dos nossos dias jamais permitiria a vivência num refúgio florido no topo de uma colina, um amor que surge de cinco minutos de atraso, uma corrida desesperada pela necessidade de ver quem se ama. Somos nós, humanoides do século XXI, que precisamos, por vezes, desse tipo de romance antiquado.

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1 ÍLOR: Diz-se sobre pessoa amável, gentil ou delicada.
2 “NON TI SCORDAR DI ME!”: “Não te esqueças de mim!”. Verso da ópera II Trovatore (1853) de Giuseppe Verdi (1813 – 1901), inspirada no drama homônimo do espanhol Antonio Garcia Gutierrez (1813 – 1884).

Texto publicado originalmente em: sob-inercia.blogspot.com